As rachaduras, ocasionadas por um combate, enfraqueciam as bases cinzentas de concreto dos prédios da rua Lalaí. Devido a circunstâncias ainda não entendidas, nenhuma pessoa transitava pelas calçadas e nenhuma luz, dos apartamentos, estava ligada. O silêncio fazia parte da cidade, e mesmo que uma leve brisa se fizesse presente, nenhum som era escutado, nenhum ruído ecoava pelos becos da cidade. As lâmpadas incandescentes dos postes estavam aos poucos se queimando, devolvendo parte do caos àquela pequena cidade.
Talô estava sentado no parapeito de um prédio que, aparentemente, balançava de um lado para o outro em pequenas proporções. Ele observava o brilho ofuscado das estrelas, esperando que algum cometa rasgasse o céu. Sua respiração estava pesada, como se o ar que existisse naquela área não fosse o suficiente. Seus sentimentos estavam confusos, travando uma guerra que parecia não ter fim; sua mente, apesar de registrar as imagens da lua e das estrelas, estava longe, vagando por entre mundos hipotéticos criados por situações impossíveis de se consertar.
- Talô.
Uma voz conhecida ecoou em sua mente, fazendo-o despertar do transe em que se encontrava. Ele continuou olhando o céu, afinal, seus pensamentos, no momento, eram mais importantes do que sua nova companhia.
- Talô, por favor. – Sua voz era calma, baixa e melódica. Não indicava ordem, mas um pedido.
Lágrimas escorreram pelo rosto de Talô, não de tristeza, mas de medo. Suas mãos e pernas começaram a tremer e seus olhos a perder o foco, algo muito forte mexia com ele.
- Eu consegui acabar com todas as chances de realizar o meu sonho. – Suas palavras eram ditas entre soluços e pequenos grunhidos. – Eu perdi aquela luta. Eu não tenho mais motivos para continuar nesta terra mundana.
- Isso não é verdade Talô, você pode continuar nesta terra. Basta não pensar no que aconteceu hoje. – Ela chegou mais perto e encostou a mão em seu ombro. - Para tudo se dá um jeito.
- Você não entende Vena. – Disse ele mirando o chão.
- Por que você acha isso? É pelo fato de eu não precisar me preocupar com este mundo físico? Ou pelo fato de eu estar servindo de espirito guardião para você e ter falhado nesta batalha? O seu fracasso é o meu fracasso. A culpa também é minha.
Talô ergueu sua cabeça e encarou a imagem da mulher que pairava em seu lado. Suas almas estavam ligadas por um contrato, fazendo com que suas vontades, fracassos e conquistas fossem as mesmas, não havendo um único culpado, ou um único ganhador.
- Não vai adiantar Vena. - Ele voltou o olhar para o céu e encarou a lua.
- Você é muito teimoso, nunca presta atenção no que eu tenho a dizer. O que você vai fazer agora?
- Você disse, quando nos conhecemos, que eu era um construtor.
- Eu sei, mas...
- Minha construção foi finalizada. Eu não tenho mais o que fazer aqui.
- Ela não foi finalizada Talô. Ainda há muito que fazer.
- Mentira. Você sabe que acabou. Eu não a concluí, mas fizeram com que ela fosse acabada do jeito que está.
Talô se pôs de pé e calculou a altura de onde estava. Seu corpo inteiro tremia e pequenas gotas desprendiam de seu rosto. Vena sabia o que iria acontecer, mas não podia fazer nada era contra a lei imposta aos guardiões. Seus olhos miraram o protegido e, em seguida, as estrelas, como se esperasse que algo diferente acontecesse.
- Desculpe-me Vena.
- Se esta é a tua vontade, eu não posso impedir. – Disse sem tirar o foco do céu
- Eu já não tenho mais o que fazer aqui. Todas minhas ilusões foram quebradas, meus desejos consumidos e minha vontade incendiada. Você está livre, pode ir para onde desejares.
- Tudo bem. Não achei que tudo terminaria assim. Adeus Talô, foi um prazer estar do teu seu lado durante estes dias.
Uma forte rajada de vento percorreu o topo do prédio e pequenas nuvens encobriram o brilho da lua. Vena deu as costas e caminhou rumo ao outro lado do prédio, sumindo em meio ao ar.
Talô respirou fundo e mirou o chão. Algo dentro dele dizia que era a coisa errada a se fazer, mas, depois de tudo que aconteceu, como ele poderia se reerguer, iniciar uma nova construção. A imagem de Vena surgiu em sua mente, porém, isso não iria salvá-lo. Ele esticou uma perna e deu um passo para frente.
- Vena, meu prédio foi finalizado. Já não tenho mais o que fazer aqui.