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Sonhos e pesadelos - De tijolo a castelo

Como poderia alguém se importar com um ser como este?
Como poderia crer que dará certo com um ser como este?
Onde está sua esperança e força de vontade para um futuro melhor?
Saia de perto dele, não há nada a ganhar, se afaste de um ser como ele.

Eu não me importo
Podemos passar fome
Podemos sofrer com o frio
Termos que roubar
E tomar banho no rio

Podemos ir a falência
Cair no buraco mais fundo
E perder a sapiência

Mas não importa, não há um critério
Pois, com um ser como este
Construiremos um império

Chuva chovida

Chove chuva chovida
Chovendo a chuva da alma vivida
Chuva de chuvas chovidas
Chovendo a chuva das águas perdidas

Chove chovendo as chuvas chovidas
Chovendo a chuca da vuca chuvica
Chove chovendo a chuva das chuvas
Chovendo a chuva das chuvas vividas

E se a vida fosse assim? Como ela é, mas sem ser como deveria não ser.

E se a vida fosse apenas uma dança não dançada
Uma coreografia perfeita, exaustivamente ensaiada
Que no fim, ao palco, foi apresentada para o nada.

E se ela fosse uma peça sem atores
Com o roteiro atirado sobre o palco
As cortinas entre abertas, tapando o cenário
E o banheiro, com luzes acesas, repleto de talco?

E se fosse um diálogo sem sentido
Uma conversa entre o nada e o ninguém
Um caminho sem caminho
O algo indo em frente, seguindo o além

E se fosse apenas
Uma dança não dançada,
Uma peça não encenada,
Um diálogo não entoado,
Um mero caminho não desvendado

O tempo de um descanso na mesa em frente

Moça dos cabelos castanhos
Aflição é seu sobrenome
Moça do chinelo alaranjado
Estás você aguardando algum homem?

Sorri com o canto da boca
Mira seres a trabalhar
Chacoalha ritmicamente o celular
Observa com alegria as pessoas a conversar

~x~

Água esquecida por uma mulher descuidada
Acompanhada de uma sacola, igualmente amassada
Moça da limpeza, não leves tais objetos
Mantenha-os em minha visão
Mantenha a minha admiração

~x~

Pessoas na vitrina a olhar
Olhando os livros, a capa observar
Em que mundo vocês vivem?
Com que mundo vocês sonham?

Estranhos a admirar
Livros na estante, de mortos a andar

Estranhos miradores
Que duvida cruel ao comprar
Este, esse, aquele
Como posso escolher
Se nem mesmo a criança eu consigo entreter?

Transformatur in

Não sei como, nem por que, mas tudo estava úmido, gelado, girando; transformando meu corpo em um pedaço frio de carne, que logo serviria de comida para outros seres menores. Eu enxergava nada, o sol não existia, e o liquido gelado impedia que eu abrisse meus olhos. Eu não entendia o que estava acontecendo.
Meu pulmão clamava por ar, mas eu não podia respirar. Esta era minha única certeza, se eu respirasse eu morreria. O que eu deveria fazer? Esperar o abraço da morte ou lutar mais um pouco?
Não recordo-me de nada anterior a isto. Por que minha mente despertou apenas neste momento? Por que tudo está assim?
Tentei deixar meu corpo imóvel. Impossível. O liquido me arrastava em certa direção. Liquido. Correnteza. O que havia acontecido?
Estabilizei meu corpo na horizontal, no sentido do fluxo, e senti a gravidade me puxando, senti braços me agarrando e vozes sussurrando “Venha. Livre-se deste peso inútil que é a carne. Venha com a gente. Entregue-se à água.”
Não! Eu não podia me entregar. Estiquei meus braços para cima e com ajuda das pernas nadei rumo ao que eu achava ser a superfície. Eu estava certo.
Coloquei a cabeça para fora da água e inspirei o máximo de ar que eu conseguia, permanecendo ofegante enquanto tentava me manter com a cabeça fora d’água.
A correnteza era fortíssima, e o nível de água colossal. Eu ainda estava na cidade, mas a cidade não estava mais lá. Os prédios estavam submersos, com apenas alguns terraços sobre a água, pássaros voavam no mesmo sentido da correnteza e pedaços de material flutuante passavam rapidamente por mim.
Olhei para todos os lados e não conseguia encontrar o fim da água. O que quer que tenha acontecido foi realmente grande.
- Avis!
Aquela voz, longe fraca, mas conhecida, causou-me um arrepio e, com isso, vários flashes de memória surgiram em minha cabeça.
Amigos. Reunião. Festa. Prédio. Comemoração. Novo membro. Bebida. Diversão. Doses. Barulho. Explosão. Janela. Onda. Parede. Rachadura. Impacto. Busca por ar. Preto.
- Ursus! – Gritei. Mas nada recebi de resposta. – Ursus! Piscis! Simiu! Cattus! Aranea! Taurus! Fiber! Vulpis! Linx!
- Aqui. Avis, eu estou aqui!
- Simiu! Onde? – Engoli um pouco de água.
- Aqui!
Girei minha cabeça pra todos os lados, buscando a origem da voz não a encontrei. Continuamos gritando enquanto éramos arrastados pela água até que Simiu conseguiu levantar o braço, mostrando-me sua localização. Nós tentamos nos aproximar, mas a correnteza era mais forte que nossas braçadas, tornando a aproximação uma tarefa difícil e perigosa, devido à velocidade com que pedaços de matéria sólida se aproximavam de nós.
O tempo passou e nossa proximidade não sofreu grande transformação, mas continuamos tentando, até sermos surpreendidos por uma explosão, que rasgou o céu como se fosse um trovão. Nós paramos de tentar nos aproximar e olhamos para cima, buscando alguma coisa incomum.
O céu passou de azul claro para lilás e as nuvens começaram a se agrupar no horizonte, formando uma perfeita circunferência. Outra explosão. As nuvens se aproximavam rapidamente, e era possível sentir a água perdendo velocidade cada vez que eu me aproximava das nuvens. Olhei para o lado em busca de Simiu e nada encontrei. Eu estava sozinho novamente.
A circunferência se aproximou ao máximo e assim que a cruzei, tudo que estava em meu campo de visão sumiu em meio ao ar, dando vida a um som de queda d’água.
Olhei para frente com mais atenção e observei a cascata que me aguardava. Eu não conseguiria lutar contra tal força, deixando meu corpo ser levado enquanto olhava para o lugar onde eu estava, assim que a queda d’água teve início.
O lugar era cercado por uma cadeia de morros, tendo apenas duas falhas. De um lado um vasto oceano podia ser visto e do outro, uma vasta floresta tomava conta da terra, mas não era perfeita, podendo ser visto pequenas casas e uma cidade mais a longe.
Barcos pesqueiros, captureiros, e cargueiros estavam se movimentando pelo lago que ali se formava. Coletando peixe, capturando aves e transportando veículos automotivos.
A queda era longa, e eu certamente morreria caso me chocasse com a água. Eu não sabia onde estava, não sabia como havia chegado ali, e não sabia se meus amigos estavam vivos ou mortos. Eu não poderia ficar arriscando, mas agora seria necessário. Fechei meus olhos e me concentrei. Meu corpo inteiro tremeu e formigou por completo. Um brilho vivo foi emanado e uma forte sensação de calor tomou conta de mim. Abri meus olhos, estiquei minhas asas e voei rumo às ilhas que ficavam no meio daquele lugar.
~~X~~
As ilhas possuíam pequenas casas de madeira, provavelmente de pescadores, com varais de roupas espalhados entre as árvores e crianças correndo pelo terreno.
Fiquei planando pelo lugar, buscando alguma dica de onde eu estava e onde meus amigos poderiam estar. Fechei meus olhos e enviei pensamentos a eles. Eu não poderia conversar nesta forma, mas eles poderiam ouvir os pensamentos que eu permitisse.
- Onde vocês estão? Vocês passaram pelo portal de nuvens?
- Sim, foi tenso, tive que me transformar pra não morrer. – Disse Piscis. – Do nada tudo sumiu e uma cachoeira apareceu em minha frente, obrigando-me e me transformar em um Glaucus Atlanticus. Certo que eu morreria com a queda.
- Então tu estás dentro d’água. – Afirmei. – Cuida com os barcos, vou ver se consigo arrumar uma rota de fuga.
- Sim, pode deixar, e tu também. Eles caçam pássaros aqui.
- Já vi.
- Avis! Piscis! Onde vocês estão? - Gritou Arenea.
- Voando. – Respondi.
- Nadando. – Disse Piscis.
- Onde Avis? Eu estou no topo de uma árvore no meio da ilha e não estou te vendo.
- Eu sou um Cisne branco, não tem como não me ver.
- Mas não estou te vendo.
- Eu também não estou te vendo. – Comentou Taurus. – Pra mim e água se transformou em um pasto, e eu rolei pela grama, estou todo lanhado. Estou em forma humana ainda, olhando para o céu, mas não estou te vendo.
- Como é o lugar que vocês estão? – Perguntei.
Enquanto os três me descreviam o lugar e os outros membros do grupo foram surgindo na conversa. Todos descreveram como haviam chegado ao lugar, caindo de uma cachoeira, caindo do céu, ou se esborrachando com a terra. Descrevendo também o mesmo lugar, os mesmos barcos, mesmas casas, mesmas formações de pedra, mas nenhum conseguia enxergar os outros.
- Isto não é bom. Por que não conseguimos enxergar os outros? – Perguntou Vulpis.
- Talvez tenhamos que tentar voltar sozinhos para casa. Um teste, ou uma divisão por dimensões. Sei lá. – Argumentou Lynx.
- Teste de quem? Digo, não somos subordinados a ninguém, temos que provar nada a ninguém. – Disse Fiber.
- Calem a boca. Tá resolvido, vamos voltar para casa. Cada um por si. Assim a gente testa cada um do grupo. – Argumentou Ursus. – Vocês sabem que ninguém aqui tem poder pra isso, e nem vontade de destruir uma cidade. Alguém realmente poderoso está por trás disso. A gente se encontra em casa. - Todos assentiram e tomaram seu próprio rumo.
Eu permaneci planando por mais um curto período de tempo, olhando para a floresta e tentando me localizar pelo sol. Minha casa ficava na mesma direção que a floresta, a não ser que eu estivesse mais ao sul, mas pela inclinação do sol não acho que isto fosse possível.
Inclinei meu corpo para frente, voando rumo à floresta, e o mundo me pregou mais uma de suas peças. Uma corrente de ar frio passou pelo meu corpo, fazendo-me despencar ao encontro do chão. Abri minhas asas, estabilizei meu corpo e dei um rasante no solo, encostando de leve no limite da ilha com a água.
Eu estava voando baixo de mais, mas não conseguiria voar alto o suficiente antes de chegar perto dos barcos, obrigando-me a enfrentá-los. Os barcos pesqueiros foram os mais fáceis, afinal, podiam fazer nada, mas meu problema seriam os captureiros. Eles eram barcos grandes e possuíam um enorme mastro em seu meio, tendo em sua ponta, uma rede de fios verticais que voam a favor do vento, fazendo com que as aves se chocassem com os fios e se prendessem neles, impedindo-as de continuar o voo e caindo rumo à mão dos tripulantes.
Os fios, uma vez ou outra encontravam minhas asas, mas eu conseguia me livrar deles com extrema facilidade, afinal, eu era um humano no corpo de um cisne. Mas meus problemas não pararam por aí. Um dos tripulantes, notando minhas peripécias, retirou uma espingarda de um baú, apontando-a para mim. Ele mirou e assim que posicionou o dedo para puxar o gatilho outro tripulante bateu em seu braço, desestabilizando a arma e fazendo a bala passar longe de mim, mas, mesmo assim, fazendo meu coração disparar.
Ele deu uma bronca no atirador enquanto apontava pra mim e para o lugar em volta, provavelmente, dizendo que eu não pertencia aquele lugar.
Voltei minha atenção para o caminho à frente e, assim que meus olhos encontraram foco, eu me choquei com a lateria de um navio cargueiro, emitindo um alto grunhido antes de atingir a água. Levantei meu enorme pescoço de dentro d’água e encarei a lateria. Meu corpo doía, mas não o suficiente para me impedir de voltar a voar.
O cargueiro movia-se lentamente pela água, e eu teria de dar uma imensa volta para contornar o barco, fazendo-me optar por esperar pacientemente ele sair da minha frente para que eu pudesse adentrar na área governada pela floresta.
~X~
O sol estava adquirindo tons alaranjados, anunciando o fim do reinado do sol e o inicio da dinastia lunar. Os pássaros começavam e buscar o abrigo de uma dríade e os animais terrestres começavam a reunir o bando, festejando a carne adquirida ao longo do dia.
Eu voei por um longo tempo após me chocar com o navio cargueiro, passando por caçadores, árvores e animais que eu nunca imaginei que pudessem existir. Registrando, uma vez ou outra, aves para meu arsenal de transformações. Mas minha vida não passava por um momento alegre. Devido ao grande esforço causado pela viagem, e a falta de costume de voar longas distâncias enquanto transformado, meu peitoral e asas doíam constantemente, obrigando-me a fazer uma parada, mesmo que eu não pudesse ou quisesse.
Eu ainda não sabia onde estava, e fazer uma pausa em uma situação como a que eu me encontrava não era uma boa ideia. Minha mente estava igualmente cansada, mas eu não poderia parar, não no meio da floresta.
Fechei um pouco meus olhos para tentar relaxar e um forte brilho se fez presente no meu lado esquerdo, chamando minha atenção. O brilho de uma torre inundou meus olhos, despertando-os para um pequeno vilarejo guardado pela floresta. Não entendo como não o vi antes, mas, sem pensar nas consequências que este ato poderia me trazer, inclinei meu corpo e voei rumo a ele, torcendo para haver um lugar decente para eu poder dormir.
As casas eram enormes e as ruas asfaltadas. As luzes eram amenas, emitindo pouco brilho, permitindo aos moradores, olharem as estrelas. Aquilo parecia mais um recanto do que um vilarejo. Um lugar para fugir dos problemas da cidade.
Todos os estabelecimentos estavam fechados e eu não aguentaria voar por mais tempo, obrigando-me parar em cima de um muro que cercava uma grande casa amarela.
Caminhei sobre o muro, posicionei-me atrás de uma árvore, aconcheguei minhas asas ao corpo e dormi sobre forma de ave, torcendo para que ninguém me quisesse no jantar.
~X~
Latidos ecoaram pelos meus ouvidos e um leve murmúrio se fez presente, despertando-me de meu profundo sono. Abri meus olhos de forma lenta e bocejei, abrindo bem o bico. Mirei o lugar de onde estavam vindo as vozes e me assustei, farfalhando as asas.
Um cachorro enorme latia ferozmente em minha direção, mesmo preso do outro lado do pátio e seis pessoas me encaravam, sendo dois adolescentes, dois adultos e dois idosos. Eles me olhavam com certo ar de contemplação, menos os idosos, que me olhavam com certa preocupação.
- Acho que eu nunca tinha visto um cisne. – Disse o garoto.
- É porque eles não deveriam estar aqui nesta região. – Argumentou a garota, retirando uma mochila de suas costas.
- “Acho que escolhi a ave errada.” – Pensei.
- O que te trás aqui? – Perguntou o senhor.
- Como assim papai? É uma ave selvagem, não vai te entender. – Disse o adulto.
- Cale a boca. – Ordenou o senhor, erguendo uma de suas mãos. – Me diga, o que te trás aqui? – Inclinei minha cabeça para a esquerda.
- Não precisa ter medo. – Disse a senhora.
- Acho que vocês estão ficando loucos. – Falou a mulher.
Levantei uma de minhas asas e apontei para a cachorro que continuava a latir.
- Não precisa se preocupar. Vamos, nós queremos te ajudar, te darei roupas e comida.
- Papai, o que o senhor andou tomando?
- Nada meu filho incompetente. – Resmungou o velho. – Você nunca acreditou em mim, agora está aí a prova. Ele não vai ir muito longe, não do jeito que está. Ele não tem escolha. Ou fica e nós o ajudamos ou ele corre o risco de morrer de exaustão no meio do caminho. – Olhou para mim.
- Papai...
Antes que o adulto pudesse terminar a frase eu pulei do muro, que era mais alto que os homens, e abri minhas asas antes de chegar ao chão, evitando acidentes. Fechei meus olhos e a sensação de formigamento teve inicio. O calor tomou conta de mim, junto com uma forte coceira em cada ponto onde havia penas, e meu corpo começou a brilhar, abandonando a silhueta de cisne e dando forma a uma silhueta de homem. O brilho tornou-se mais fraco e eu emergi da fraca luz. Um homem novo, pálido, de olhos verdes e cabelos castanhos, levemente longos; com o peito e os braços marcados devido a extensa viagem em forma de cisne; completamente nu.
A mulher adulta tapou o rosto e os dois adolescentes arregalaram os olhos, mantendo-os focados em mim, provavelmente pelo choque da transformação, deixando-me, de certa forma, constrangido. A senhora, que dera as costas para mim assim que eu desci do muro, voltou ao local onde estávamos, entregando-me uma toalha azul bebe, que utilizei rapidamente para me cobrir.
- Como assim? – Disse lentamente o garoto.
- Desculpe pelos meus netos, eles nunca acreditaram nessas coisas.
- Sem... – Minha voz falhou. – Sem problemas. – Sorri.
- Venha, vamos comer. – Disse ele me pegando pelo pulso e me fazendo entrar na grande casa.
- Com licença. – Cochichei, olhando para a decoração extremamente cara que eles mantinham na casa.
Nós caminhamos pelo corredor principal e entramos na única porta a esquerda, adentrando em uma enorme cozinha onde uma secretária trabalhava de forma rápida sobre o fogão.
- Sente-se. - Disse o senhor, apontando uma das cadeiras ao redor da mesa.
Assim que me sentei, a secretária colocou um copo de leite em minha frente e uma bandeja com cookies e frutas, despertando ainda mais minha vontade de comer.
- Preciso perguntar. Como você fez aquilo? Digo, se transformar? – Perguntou o Adolescente. – Ah, eu sou Brendan.
- Deixem-no comer primeiro. – Disse o senhor. – Me chamo Elm.
- Tudo bem. – Disse, limpando a boca com um guardanapo. – Podem me chamar de Avis. – Solucei. – Eu sou um guardião, por isso posso me transformar.
- Jasmine. – Disse a garota, levantando a mão direita. - Pode fazer mais coisas? – Perguntou com certo brilho no olhar.
- Posso, mas não neste estado. Digo, seria imprudente.
 - Eu estou chocada. – Disse a mulher.
- Brendam, pegue uma roupa para ele, ele não pode ir embora só de toalha.
- Não precisa. – Contradisse. – Eu vou voando para casa, tu só vai perder roupa.
- Não. – Disse Elm meio bravo. – Há alguns anos uma vidente me disse que isto aconteceria e disse-me para ajudá-lo. Eu vou emprestar um dos nossos carros e um GPS, assim você se poupa e termina o que tens de fazer.
- Eu não posso aceitar isso.
- Mas vai. – Afirmou Elm com um soco na mesa.
O silêncio se fez presente na mesa e Brendam saiu da cozinha, voltando logo em seguida com uma calça, camiseta, cueca, meia e tênis parar mim.
- Espero que sirva. – Disse Brendam.
- Avis, pode ficar com meu carro, é o preto que está parado lá na frente. Nós não teremos dificuldade de comprar outro. – Disse Elm, me passando a chave do carro.
- Papai, o senhor não acha que...
Antes do homem terminar sua frase os latidos do cachorro voltaram a se fazer presente, fazendo todos do recinto ficarem em silêncio. Eu olhei para todos, pensando em quão boas aquelas pessoas estavam sendo, quando uma voz surgiu dentro de minha cabeça.
- “Estou ferrado.”
Levantei de forma brusca da mesa, já vestido, e corri até o lugar onde antes eu estava, encontrando o cachorro latindo ferozmente para um macaco sobre o muro. A família toda correu atrás de mim e em poucos segundos eles já estavam parados perto da porta, observando o pequeno filhote de gorila parado sobre o muro.
- Simiu! – Falei alto, me aproximando dele.
- “Ainda bem, achei que ia morrer tentando voltar pra casa.” - Aproximei-me o máximo que consegui e Simiu pulou em meus braços, ficando de barriga para cima, como se fosse um bebe. – “Eu não vou me transformar de volta em humano. Se eu fizer isso, vai demorar um bom tempo pra eu voltar a poder virar macaco.”
- Sem problemas, estas pessoas estão me ajudando, ajudarão você também.
- Ele também é como você? - Perguntou Jasmine.
- Sim, mas ele está muito cansado pra virar humano. As transformações cansam muito, e ele, provavelmente, está caminhando desde ontem. Eu tive uma noite de sono, mas a distância que ele percorreu foi igual a minha, e, por terra, é bem mais complicada.
- Tudo bem, vamos alimentar ele assim mesmo. – Disse Elm.
Nós perdemos algumas horas do dia com eles me conhecendo mais e eu conhecendo mais eles, enquanto eu alimentava Simiu como se fosse meu bebe.
O dia passou e o reinado do Sol começava a ter seu fim. Assim como nossa estadia na casa dessas pessoas que nos acolheram tão bem.
- Espero que vocês nos visitem algum dia. – Disse Elm, me ajudando a colocar o adormecido Simiu no banco de trás do carro.
- Visitaremos. Vocês foram muito gentis conosco. Teremos de retribuir algum dia.
- Antes de vocês partirem, eu queria lhe dar uma coisa. Pode ir lá dentro comigo?
- Claro.
Fechei a porta de trás com Simiu lá dentro e caminhei com Elm até a cozinha da casa. Lá ele abriu um armário chaveado e retirou uma caixinha, entalhada com runas, pegando, de dentro dela, uma corrente com um pingente em forma de ampulheta.
- Isto vai ajudar vocês. Não sei como, mas vai. Eu sinto a magia dele, eu só não sei como usar, espero que você consiga.
Ele não estava errado. Mesmo sem tocar no pingente eu sentia o poder que ele carregava, mas nem mesmo eu conseguiria decifrar rapidamente sua função.
- Obrigado Elm. – Disse, colocando o pingente no pescoço. – Você é muito bondoso, obrigado. - Elm sorriu e nós voltamos para o carro, conversando sobre as peças que a vida pregava.
A rua, que antes estava vazia, possuía mais um carro, igualmente preto, parado atrás do veículo que Elm me dera. Eu pouco liguei, até caminhar rumo o automóvel e olhar para dentro dele, pelo vidro traseiro, notando que Simiu não estava mais lá. A porta estava entreaberta e as rodas furadas. O pânico tomou conta de mim.
Eu olhei para os lados e notei a preocupação nos olhos de Elm também. Aquele carro, atrás do nosso, ele tinha que estar lá. Os familiares de Elm apareceram no portão e ele os informou do acontecido. Eu caminhei até o carro de trás e olhei pelo vidro traseiro. Ele estava ali. Simiu estava ali.
Tentei abrir a porta, mas não adiantou, ela estava trancada. O motorista, careca, com óculos escuros e terno, olhava para frente com um ar sério, como se eu não estivesse ali. Fiquei com raiva de tudo e golpeei o vidro. Nada. O motorista riu. O carro era blindado.
Dei um passo para trás, tomei fôlego, concentrei-me em meu punho e golpeei o vidro mais uma vez, que explodiu em vários pedaços e, de relance, pude ver a cara de pavor do motorista. Peguei Simiu e abracei-o contra o peito, correndo para longe do carro.
O motorista desceu do veículo e correu atrás de mim, o mais rápido que podia. Eu não tinha para onde ir. O carro estava inutilizado e a família de Elm estava paralisada com a situação. Eu não tinha outra opção.
Respirei fundo, abri os olhos já transformados e fiz uma coisa que nem eu achei que conseguiria. Soltei Simiu no meio da transformação e antes dele chegar ao chão agarrei-o com minhas garras, sem machucá-lo, disparando rumo ao céu em forma de uma Harpia, com mais de dois metros de altura. Simiu acordou no meio da subida e eu o tranquilizei, mentalizando o que havia acontecido. Estabilizei meu corpo com certa dificuldade e coloquei Simiu em minhas costas, planando de volta para a floresta e procurando a corrente de ar quente que levaria a mim e Simiu para casa.

Sonhos a alucinar

Dentro de uma lata automotiva
Rodeado de pessoas inofensivas
Sentando ao lado de alguém importante
Esperando entrar o ser caminhante

Cinco minutos
Tempo de duração
Rota de fuga
Uma só direção

A lata para
Euforia ao aparecer
Risadas ao entrar
Troca de olhares
Sonhos a sonhar

Mal sabe que existimos
Mal sabe que admiramos
Mal sabe os motivos
O que isto se tornará?

Dois dias consecutivos
Suficiente para me animar
Suficiente para me enlouquecer
Sonhos a alucinar

Dentro de uma lata
Lata com roda
Lata espichada
Vibrando em ressonância
Admirando a exuberância

Pequeno espaço de tempo
Suficiente para a indecência
Torrente de pensamentos
Responsável existência

Sentimentos por um ninguém
Incógnita em minha vida
Esperando o momento
Tarde
Hora de descer

Lata automotiva
Testemunha de minha história
Lindos capítulos a devorar
Com personas que nem nos olhos
Conseguem se olhar

Sonhos e pesadelos - Crescer

Tantos meses
Tanto tempo
Tantas folhas
Tanto vento

Vejo o quanto cresci
O quanto falta crescer
Vejo sorrisos desaparecerem
E vontades florescerem

Me pergunto o real significado
O porquê disto tudo
O motivo de deixar para trás
Tudo aquilo que havia conquistado

Estou crescendo
Estou resmungando
Estou vivendo
Envelhecendo

O porquê
O motivo
A causa
O pretexto

A cada passo eu apagado o passado
Guiando minha vida por novos caminhos

A cada ideia eu apago o já pensado
Esquecendo e deixando a outrora de lado

Afinal,
Crescer significa perder

Tudo e nada

Falta algo
E falta tudo
Falta algo
E falta nada

Tenho tudo
E tenho nada
Tenho algo
E tenho nada

Paro o tempo
O tempo para
Para tudo
E para nada

Canto algo
E toco nada
Toco tudo
E canto nada

Agrura bilateral

Desculpe, pronunciou a pequena menina
Tudo bem, não há com o que se preocupar
Arrisquei à acalmar, um simples ato de abraçar
Tarde demais, contra o vento agora corria

Cacos de um vaso aos pedaços cobrem os meus pés
Memórias encastoadas em diversos pedaços
Almas perdidas na guerra de "Mount Parnassus"
Como ei de saber de qual alma o pedaço és?

Guerras internas com agrura bilateral
Forma de frustar os próximos do coração
Leis impostas pelo mais hediondo tribunal

Desleais que me deixaram apenas frustração
Amargura de um falso ser celestial
Sobrevivente a uma vil dissimulação

Sonhos e pesadelos - Um dia

Sentado em uma cadeira de bar
Isolado dos eventos
Despreocupado com rumores
Atento a ideias que vão me interessar

Um velho senhor inclina seu copo
Para, Olha ao redor, Mira-me
Levanta-se, caminha até mim
Senta, Cospe, Encara-me
Põe-se a falar

Frases estranhas que vem em boa hora
Palavras desconexas a meu ver
Ele fala sobre o caos, uma arte
Uma forma de morrer

Fala que aguarda o grande dia
Um dia que valia por todos
Não há com o que se preocupar
Vive vivendo a vida
Uma forma de se levantar

O dia, põe-se a dizer,
O dia em que tudo se acertará
O dia que teus problemas acabarão
O único dia que não poderás temer

A morte
O dia pela qual vale a pena viver.

Sonhos e pesadelos - Um problema ao acordar

Às vezes eu gostaria que a noite nunca acabasse
Que meu corpo permanecesse imóvel, nunca despertasse

Gostaria que minha mente vivesse entre sonhos
Vivesse o devaneio como se fosse real
Desprendendo-me desta realidade
Desprendendo-me do carnal

Gostaria de conhecer o mais fundo abismo
Deitar-me na mais alta nuvem
Visitar o mais longínquo planeta
Cultivar a mais rara violeta

Gostaria que meu despertador não tocasse
Que meus sentimentos divagassem
E que o grito contido
Enfim, se libertasse

Labirinto de sonhos e loucura - parte dois - O Duelo

Kunquat: Pegarei minhas armas e destruirei as paredes que sismam em me cercar; e, caso não haja saída, usarei todos meus recursos e criarei uma.

Guto: E quem sabe o que há por trás destas paredes?

Kunquat: A vida é uma noite escura, ninguém sabe o que acontecerá ao dar mais um passo. Por isso que ela é interessante.

Guto: Se nós soubéssemos, que graça teria? Se não existissem as perguntas ninguém descobria as respostas que nos formam no presente. É o sentimento de incerteza que nos mantém alerta, ele que nos mantém vivos.

Kunquat: O mundo não existe para frente, apenas para trás. O que há em nossa frente é um mistério, uma incógnita devido ao escuro, ao borrão que se faz presente. O que há para trás é o iluminado, o caminho já traçado, o conhecido. O maior problema da vida é ficar parado, esta não é uma opção. Quando parados, nossa mente transita por estes dois lados, o escuro e o iluminado, ela mistura as cores, enlouquecendo o corpo e a psique. Nossa mente nos traí. Por isso não podemos parar, devemos sempre perguntar e traçar um novo caminho.

Guto: Ficar parado a beira de um passado de traumas é a receita para a loucura. O tempo nunca para, mas algumas pessoas param o tempo. Estas pessoas param de evoluir enquanto uns aproveitam para apagar antigas marcas, criando novos momentos, nem que sejam momentos que, quando unidos, criem uma nova maneira de viver. Estas que aproveitam o tempo redescobrem-se, vivem uma nova vida, novas ideias, descobrem um sorriso ao acordar toda manhã. Um sorriso de esperança de alguém que perdeu este sentimento há muito tempo.

Kunquat: Somos como uma Fênix, não importa quantas vezes tombemos, sempre renasceremos de nossas cinzas, de nossos traumas. Renasceremos mais fortes, com mais coragem, com mais determinação. Renascemos para re-enfrentar o mundo, para re-encontrar as belezas perdidas entre as nascentes caóticas e as paisagens bucólicas. Renascemos para voltar a sorrir, talvez em um ciclo individual, talvez em forma de um casal.

Guto: Nunca é tarde para darmos uma nova chance quando podemos aprender com os erros do passado. Não precisamos de um motivo para acordar toda manhã, mas precisamos saber que podemos encontrar um, um sonho ou um alguém. Sempre é tempo de recomeçar a busca por sua razão de vida, pelo que vai te fazer feliz. Não importa quanto tempo dure, pode ser entre dias quentes, semanas chuvosas, ou nas piores semanas do inverno, quando você se sente sozinho.
Saiba que não vai se arrepender de continuar lutando para criar sua nova história e contribuir para as histórias paralelas. Já que, mesmo não estando em um relacionamento, não estamos sozinhos, sempre podemos encontrar apoio para que continuemos todo dia com esta exaustiva tarefa de viver, guardando todas as memórias felizes que vivenciarmos. Junto, é claro, dos momentos tristes, pois a vida é como uma tempestade, sempre há um lindo nascer do sol após as trevas.

Kunquat: Por mais que erre os diálogos em cima do palco, por mais que a tempestade arranque parte de suas posses, o publico sempre aplaudirá, e a calmaria sempre aparecerá. Momentos turvos precedem a calmaria. Dor e agonia serão substituídos por amor e alegria.
Sempre estaremos aqui, renascendo das cinzas, quebrando as paredes, erguendo-se da loucura, esquecendo os traumas e esperando o sol nascer. Sempre teremos outra chance, talvez agora, talvez depois, mas não se esqueça, não fique parado, ainda há muito o que explorar.

Homens da Taberna

Os grandes poetas permanecem nas tabernas
Vivenciando atos incompreendidos e invisíveis para a humanidade
Álcool, taças, traças, pequena grande bebedeira

Versos criados enquanto emoções se rebelam
Cavalos cavalgam selvagemente em cima das comidas
Fome que sacio ao criar este conjunto de letras
Emaranhado de ideias e gestes incompreendidos
Conjunto de sons articulados que ecoam no vácuo de meus pensamentos

Fujo da realidade através desta taberna
Fujo dela repetindo o caos que vivo em meu papiro
Fujo comendo e bebendo, perdendo tempo com o que gosto
Escapismo

Mármore gelado que encontra o meu tato
Aroma precioso que morre em meu olfato

Pessoas entram e saem, me olham
Não me compreendem
Podia estar trabalhando em algo mundano
Prefiro ver o tempo correr e sobre isso escrever

Em breve todos enterrados estarão
Nas areias do tempo
Afundados em um caixão

Mas meus versos intactos estarão
Sendo traduzidos, apreciados, compreendidos, queimados
Grandes mestres me inspiram
Futuros poetas me admiram

Esqueço que sozinho cá estou,
Neste ambiente gelado
O gás de minha bebida,
levemente fermentada
Estoura em meu corpo
Luzes baixas reconfortantes
Mais uma noite
Um encontro de amantes

Tarde
Hora de fechar.

João-de-Barro

Assim como um João-de-Barro
Quero que saibas
Sempre te amarei
Respeitarei
Apreciarei

Caso venhas a me trair
Tranco-lhe em nossa residência
Até que sua carne apodreça
Até que seu sangue seque
E sua alma desapareça

Renascer

Morra sufocado
Cansei de você
Do meu elemento
Crio sua morte

Estamos aqui
Sobre um oceano
Não há nada em volta
Apenas o mar plano

Sua morte se aproxima
Você nem imagina
Quanta dor sentirá
Quanto sofrimento terá

Uma fissura de abre
Você cairá
O oceano era falso
Repleto de papeis
Você morrerá

Não há o que fazer
Não há chão
Não há fim
Daqui você nunca sairá

Sufocado desaparecerá
Suma deste mundo
Encerro minha técnica
Em conjunto

Fecho o abismo
Saio do oceano
Mas lá você fica
Apenas um pessimismo

O oceano está calmo
Não há mais resquícios
Sobre a água caminho
Vou embora
Não olho para trás

Penso em quem será
O próximo a padecer
Sobre minha técnica
Renascer

Pétala 2

Uma pequena pétala bóia em minha frente
Foi aqui que te enterrei, neste buraco
Despejei milhares de pétalas sobre você
E agora, o que me resta, é está poça

Um leve toque fora mencionado
Precedendo uma perdição
Nosso oceano está ausente
Peixes o deixam, fogem para os céus
Talvez, uma maldição

Eu mudei... E os lobos se atiram de penhascos
Me perdi por este mundo...  Para tentar fugir... E não há como se esconder

Os portais do céus se fecharam
Um longo tempo passou
Está na hora de abri-los
E revelar tudo que fora perdido

Borboletas voam sem rumo
Cruzam as linhas dos pensamentos
Mas morrem em seguida
Ignorando certos lamentos

Um dia, olhando para o mar
Criaturas distintas se mostraram
Possuíam algo diferente
Vozes estranhas sobre o luar

Olho esta poça e sinto que ninguém me entende
Mesmo as árvores que me olham
Não entendem por que admiro uma pétala
Malditas lembranças

Outro buraco se forma
Onde a água não pode chegar
Seu corpo está lá
Algo podre de se ver

Tentei mudar os papeis
Mas vejo que este é o fim
Fique no seu buraco
Não há nada que eu queira fazer

Além de despejar
Milhares de pétalas
Sobre você.

Primeira parte do poema Aqui.

Pétala

Você nunca muda... E os pássaros estão caindo.
Eu perdi você no caos... Para comer seus sonhos... E você não pode correr.

Você só pensa em nosso arco-íres
No que há no fim dele
E quando chove, minha alma queima em pó
E seu céu muda de cor

Minha vida fica no escuro, rodeada de lobos
Enquanto você sorri na luz, rodeada de fadas
Borboletas voando sem rumo
Igual aos seus pensamentos manchados

Você tocou os sinos da perdição
Nunca mais volte para nosso oceano negro
Sua carne apodrece e meus desejos desaparecem

Aceite e caia no buraco
Despejarei milhares de pétalas
Para que seus sonhos me alimentem
E sua alma me de força.

Assim que a ultima pétala cair.

O Passado