A quinta vez.
Quinta vez. Veneno, cortes, toxinas, de nada adiantam, sempre conseguem me salvar, mas desta vez vai ser diferente. Cansei de vocês, cansei da minha vida, cansei das falsas amizades que me cercam o tempo todo, simplesmente, cansei. Me lembro quando você disse que tudo era diferente, que cada um tinha uma maneira de ver o mundo e que, de um modo ou de outro, todos se amavam. Mentiras.
Viver no Brasil é realmente uma porcaria, não tem nenhum prédio alto o suficiente, eu tenho de me contentar com este, de trinta e dois andares. Até que tem uma brisa agradável aqui em cima, não está chovendo, o sol está brilhando e já são três da tarde. Ainda bem que ninguém percebeu, há ninguém lá na rua e não tem como me salvar.
Os suicidas costumam se matar sem deixar esclarecido o porquê de fazerem isso, não os entendo. Melhor deixar claro para os amigos, se é que amigos realmente existem, e para a família, só para prevenir uma catástrofe familiar. Acho que desde a primeira vez que eu tentei me matar, já escrevi umas cinqüenta páginas sobre minha vida e os motivos da minha decisão, mas mesmo assim, é óbvio, que vão dizer: “Ele tinha problemas mentais, por que não o levou em um psiquiatra, podia ter impedido isso.”. Aposto que este comentário vai vir da minha tia. Odeio ela, porca leiteira, vende tampa de bueiro para conseguir renda, só por que é juíza não quer dizer que possui todo conhecimento.
Às vezes eu queria ser uma nuvem, ficar lá em cima, apenas olhando o caos da cidade. E, de tempos em tempos, despencar dos céus em forma de água, e por fim, voltar para onde estava. Ou quem sabe, ser uma árvore, não tem trabalho nenhum, produz o que vai comer, toma sol o dia inteiro, o único problema, é o risco de ser cortada, mas é a vida, todos morrem. Uns mais cedo que os outros, mas morrem do mesmo jeito.
Que caos que é esta cidade, carros, barulho, poluição, ninguém me entende, ninguém me compreende, qual o problema das pessoas? Cinqüenta páginas de explicações, um testamento, onde alego deixar tudo que tenho para meu melhor amigo. Menos as contas, estas vão para a minha tia.
Bem, preciso acabar com este sofrimento de uma vez, prometi a mim que iria fazer isto antes das quatro horas da tarde. Ficar no parapeito me enjoa, é muito alto, minha coragem começa a se esvair aqui. Será que vai doer? O que será que se sente antes de morrer?
- Ei! Eu não tinha visto você aí. Pequena pomba, realmente quer ver este acontecimento? Como se você pudesse me entender. Até algum dia.
Um pé após o outro. O vento passava pelo meu corpo, não havia volta. Trinta e dois andares, aproximadamente noventa e seis metros, dez segundos de queda, uma vida de pensamentos. Me recuso a abrir meus olhos me recuso a escutar os gritos. Que Rá me perdoe, por desperdiçar esta vida, mas é realmente necessário. Só espero não cair em cima de alguém, ou de um carro.
“Segundo a polícia, um jovem, estudante do colégio Ateneu, pulou de um prédio na Avenida Antares, não sobrevivendo à queda de aproximadamente cento e três metros. O corpo foi enviado ao IML e a polícia está averiguando as causas do aparente suicídio. Dois cadernos foram encontrados no alto do prédio, porém nenhuma informação foi dada, já que os mesmos se encontravam lacrados, sendo entregue diretamente a família.”
O Pombo
-Comer, comer, voar, voar, tudo para poder se salvar. Olha que melodia bonita, finalmente eu compus algo que preste. De acordo com os humanos deve ser umas três horas da tarde, maldito sol, por que não consigo olhar diretamente para ti? Ai meu olho.
“Chega de voar, preciso descansar, é, rimou. Rumo ao prédio de vários metros que eu passo a minha tarde. Ah, eu já estou nele, que burrico. Ei, um humano, sai do meu lugar. Bicho burro.”
Esqueci que não posso falar, então tenho de pensar, concentra, concentra, ok, estou pensando. Humanos são realmente problemáticos, por que este ser está olhando para o céu, já faz quarenta segundos. Nem eu consigo ficar tanto tempo. O que será que ele pretende fazer, se jogar?
- Ei! Eu não tinha visto você aí. – Eu não sou tão pequena assim, além de ser idiota é cego, se chegar perto eu te mato. - Pequena pomba – Não, grande pato, é óbvio que sou um pombo, o que queria? Um jacaré? Uma borboleta? Um bule? - realmente quer ver este acontecimento? – Olha filho, a esta altura da minha vida eu já não recuso mais nada, então, quando o show começa? - Como se você pudesse me entender. – Se eu falasse contigo tu realmente iria estranhar, sou um bicho esperto, só escuto. - Até algum dia. – Defina dia pra mim?
Pé esquerdo na frente, ele realmente vai se jogar. Corpo ereto, camisa cinza, calça jeans, mochila da Basílio, ele é da alta sociedade, por que vai acabar com a vida? Nem eu, que vivo em média dezesseis anos, tenho coragem de pensar em me matar. E lá vai ele.
- Preciso ver o estrago. É, deve ter doído, sangue pra todo lado. Bom, foi um prazer conversar contigo, até mais ver.
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