Eu estava muito aborrecida naqueles dias de chuva no início do outono. Praia vazia, não havia muito que fazer. Passeava meio sem rumo pela areia quando a garoa começou a cair mais forte. Tentei apurar o passo, mas por conta do vento e da água não conseguia enxergar direito e, na tentativa de chegar o quanto antes a um abrigo, tropecei numa garrafa encoberta pela areia. Num misto entre raiva e curiosidade, olhei para ela e percebi que havia dentro algo meio brilhante, reluzente. Peguei a garrafa, lavei-a no mar e corri para me proteger num quiosque sem funcionamento naquela época.
Dentro do vidro verde devidamente fechado havia um rolinho de papel desses que refletem a luz. Talvez por não saber do conteúdo, não achei possível abrir a garrafa sem quebrá-la. Numa única pancada ela se estilhaçou, libertando o rolo laminado que trazia dentro uma carta. Com a alegria de quem descobre um tesouro e já arrependida pelos estilhaços, desenrolei o papel. A carta era escrita à mão, numa caligrafia caprichada, desenhada: “Sou Babel. Mudei por imposição dos meus pais para a Bahia e minha maior vontade agora é voltar para casa. Rezo para que essa mensagem encontre correntes e marés que a levem até Santa Catarina e chegue a Eduardo, meu único amor.” Não havia mais informações além do endereço de Babel e do telefone de Eduardo.
Dobrei o papel, coloquei-o no bolso de meu casaco e fui para casa. Atravessei a avenida e segui reto durante cinco quadras, passando por uma sorveteria, pela prefeitura, até finalmente, chegar em casa. Tirei a chave do bolso de meu casaco e abri o portão de ferro que dava para meu jardim de Tulipas. Atravessei-o, abri a porta, retirei meu casaco, pendurei-o e fui até meu quarto trocar de roupa. Peguei o papel do bolso e deitei no sofá; fiquei horas lendo, imaginando a história dos dois. Será que foi sofrida? ou bonita? ou apenas mais uma história melosa de amor? Acredito que só o tempo irá me dizer. Levantei-me encorajada e liguei para Eduardo, uma mulher atendeu:
- Oi, eu poderia falar com Eduardo? - Falei meio tímida.
- Olá, sinto muito, mas Eduardo morreu. - A voz dela era seca, como se estivesse chorando por um longo tempo.
- Nossa, mas o que aconteceu?
- Olha Dona, não estou com tempo para conversar, tenho que dormir para acordar cedo amanhã.
-Tudo bem, mas podemos marcar um encontro? Quero dizer, para você me contar esta história, eu realmente preciso saber.
- Podemos, amanhã às sete horas da noite, em frente a prefeitura, na sorveteria. Por favor, não se atrase
- Ok, chegarei no horário.
Coloquei o telefone no gancho e me deitei, imaginando o rumo que esta história tomaria de agora em diante. Não levou muito tempo, apenas alguns segundos, para eu dormir profundamente, imaginando o futuro.
Acordei pela manhã, com um pássaro preto bicando minha janela, parecia um mau agouro. Ignorei-o e me vesti para o trabalho. Eu trabalhava em uma loja de roupas, típica aqui de Santa Catarina. Nunca gostei de dobrar roupas, mas foi o único emprego que consegui desde que me mudei. Não foi um bom dia de vendas, apenas alguns pares de calças. Encerrei meu expediente e fui para a sorveteria. Por sorte o ônibus estava passando bem na hora, diminuindo o risco de eu me atrasar.
Desci na parada em frente à sorveteria e me sentei em uma das mesas do lado de fora do estabelecimento. Além do caixa, não havia ninguém lá. Eu nunca havia sentado naquela sorveteria, ela não era muito aconchegante.
Já passava das sete horas da noite, eu não agüentava mais ficar sentada esperando por alguém que não aparecia. Sete horas e quarenta e sete minutos uma mulher, de rosto pálido e trajes pretos, além do casacão que cobria todo seu corpo. Ela aparentava estar de luto.
- Com licença, você foi à mulher que ligou para mim?
- Sim, você poderia me explicar à história de Eduardo?
- Primeiro gostaria de saber o que te interessa saber sobre ele!
- Bem, há alguns dias eu encontrei uma garrafa na beira da praia, com uma carta dentro. Nela estava escrito que Babel havia se mudado para a Bahia e ainda amava Eduardo. Ela queria que a tal carta chegasse às suas mãos.
- Ah, Babel, faz tanto tempo que não a vejo. Sinto falta de suas brincadeiras.
- Você a conhecia?
- Sim, éramos grandes amigas, até Eduardo entrar para o ramo de drogas. Babel queria ajudar ele com esta escolha, mas os pais dela descobriram e a mandaram para a Bahia, para que ela não pudesse o ver novamente.
- Nossa que confusão, Eduardo morreu por causa do trabalho?
- Em parte, ele cometeu um grande erro, ele "contratou" um amigo para tentar resgatar Babel, porém seu amigo exigiu uma grande quantidade de dinheiro, mas ele aceitou. Seu amigo conseguiu achar Babel depois de duas semanas e a trouxe para minha casa. Quando foi cobrar de Eduardo, ele já havia gasto em drogas e não pode pagar. - A mulher parou de falar por um tempo e começou a chorar. - Ele pagou com a própria vida. Babel ao saber da morte de Eduardo, se atirou na frente do trem que pegaria para voltar a sua casa.
- Minha nossa Senhora Aparecida do Norte das Candelárias do Santo Antonio do Sul.
- Como?
- Estou impressionada com esta história. Nunca imaginei que algo assim poderia acontecer na vida real, apenas em livros ou tele-novelas.
- Bem, acho que já te falei tudo que precisava saber. O resto trate de descobrir.
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